Salina nos anos 20 do século passado em área de produção do RN (Foto: Web) |
A indústria salineira do Rio Grande do Norte padece de um mal tão multissecular quanto à própria atividade, que existe economicamente no país desde o início do século XIX, mas que tem registro documental desde tempos coloniais, primórdios do século XVII. Apesar de forte, não sabe a força que possui.
Ontem (quarta-feira, 27), mais uma vez o segmento recorreu a políticos. Bateram à porta do presidente Michel Temer (PMDB), em Brasília. Pleitearam demandas do seu interesse e que alcançam economicamente mais de 70 mil pessoal direta e indiretamente no estado, onde se produz cerca de 97 por cento do sal marinho do país.
Chegam a atingir seis milhões de toneladas/ano do produto, com um faturamento que beira 1 bilhão de reais.
Imagine você, se o monopólio dessa riqueza mineral fosse dos Estados Unidos da América ou mesmo do Rio de Janeiro ou São Paulo. Exagero até: bastava que sua produção coubesse nas ribeiras do Potengi, em Natal, para que outra mentalidade imperasse.
Essa benção natural que colonizadores portugueses testemunharam e relataram abismados, até hoje é um negócio mal-resolvido.
Por favor, não joguemos essa carga de culpa nos políticos, como se tornou lugar-comum às nossas fraquezas e incompetências. Não terceirizemos o legado da falta de união do setor, principal causador dessa recorrente agonia que os levou aos pés presidenciais.
Desde menino que ouço: “Quando o sal está bem, Mossoró está bem”.
Pires à mão
Além de forte insumo à economia, fomentando o meio circulante e dilatando o erário com impostos, o sal revela-se como grande distribuidor de renda horizontalmente.
Contudo, mesmo assim, segue sua rotina de pires à mão à cata de socorro aqui e ali, quando tinha tudo para ter assento noutro nível de conversação no campo político e econômico do estado e país.
Em face de seu comportamento bipolar – vai da euforia à depressão de uma safra para outra -, não cuidou em séculos de produção de engendrar uma política de autovalorização, foi pouco atento na relação com o meio ambiente; investiu pouco em pesquisa (que poderia aproveitar o fantástico manancial das águas-mães), além de não cultivar melhor convivência com a sociedade e não apenas com a classe política.
As próprias entidades que escudam empresários de extração e moagem, não atentaram para a importância da aliança associativa e da imprescindível necessidade de expansão de sua influência além dos convescotes em restaurantes.
Um caso notório é do Sindicato da Indústria de Extração do Sal (SIESAL), que tem o mesmo presidente há 64 anos. É um feito de fazer inveja ao finado Fidel Castro. A mesma entidade não junta mais do que 15 associados, relegando ao esquecimento e desdenhando cerca de 50 pequenos produtores que não possuem nomes ou sobrenomes pomposos e faturamentos estelares.
A parábola do leão
Os salineiros lembram “A parábola do leão”, que conheci há muitos anos. Tem origem hindu. Narra que algumas ovelhas adotaram um leãozinho abandonado. Ele cresceu ao lado delas, incorporando seus hábitos e índole. Seus medos, em especial.
Certa vez, cercadas por um leão adulto que buscava uma presa para se alimentar, as ovelhas se amontoaram no alto de um ponto rochoso. O leão que elas criaram fez o mesmo, amedrontado.
O leão predador acabou desistindo da caça ao perceber que um exemplar de sua espécie estava entre elas. Mas o pressionou para saber o porquê de ele não se comportar como felino de grande porte. Até tentou fazê-lo rugir, sem êxito. Ensinou, ensinou… e nada.
Deu meia volta e foi embora, decepcionado.
O leão-ovelha só sabia balir (som emitido por caprinos), apesar de tentar urrar como lhe ensinara o leão.
Dias depois, o mesmo rebanho de ovelhas sofre outro cerco aterrorizante. Dessa vez, de uma alcateia faminta. Eram lobos que pareciam certos de uma comida farta e fácil. Mas aí o leão medroso aparece de repente e encarna sua verdadeira natureza; descobre-se como um felino de verdade.
Ele parte para cima dos lobos e ruge ferozmente, pondo-os em desabalada fuga. Dessa forma, salva-lhes dos perigosos inimigos. Paralelamente, descobre-se como um leão. Encontra sua força.
Quem sabe, um dia, os salineiros se tornem um leão de verdade, sem tantos medos.