Por Júlia Kallyne da Silva Belmiro*
Abaixo, trago-lhes um relato de como o racismo opera na subjetividade e na forma como nós, mulheres negras, somos expostas às situações totalmente humilhantes. Não é dado o direito de sermos detentoras das nossas próprias vidas, tiram-nas, em todos os sentidos.
"Não gosto de gente preta", "Sabe por que não visto preto? Porque não gosto de gente preta."
Esperando ser atendida para tirar as medidas de uma farda, tive o desprazer de ouvir essas frases racistas pela costureira e a situação foi bastante constrangedora. Ela perguntou a uma das suas clientes que tinham chegado naquele momento, sobre seu antigo emprego, começou a falar de sua antiga patroa e foi a partir deste momento que ela iniciou suas colocações odiosas. Um protótipo de negação da negritude e a exibição do ódio racial. As clientes aparentavam desconforto com toda aquela situação e olhavam para mim, única mulher negra naquele ambiente. Sabe os olhares? Então, sabemos bem o que eles significam. Fingimos não sentir, mas é doloroso e o coração fica tão apertado que os olhos enchem de lágrimas. Foi assim que me senti!
(Imagem: cedida) |
Pensei em sair do local. Fiquei. Não permiti ao racismo levar a melhor, porém, ao mesmo tempo me senti culpada por silenciar, a tristeza e a raiva tomaram conta de mim. Eu poderia ter falado para a DONA COSTUREIRA que me orgulhava de ser uma mulher negra, que ela não morava em um país sem leis raciais, que aqui, no Brasil, o racismo é crime inafiançável e que poderia denunciá-la. Mas eu fiquei quieta, era como se toda a luta do meu povo não tivesse nenhum valor. Ela pode alegar que não estava falando de mim e realmente meu nome em nenhum momento foi citado, mas a minha pele e meus traços marcados foram extremamente ridicularizados.
Sou mulher negra e meu ser vai além da minha condição, ela está na minha consciência. Então, afirmo aqui: eu sou negra desde nascença, não tente apagar minha ancestralidade, colocando-me como um ser que não conhece sua identidade. Na minha essência, tem a luta do meu povo e que uma coisa fique bem clara, o meu sangue vem daqueles que vocês escravizaram. Silenciei, mas hoje minha voz ecoa. O seu racismo e suas palavras de ódio não me impedem de avançar, sou resistência, sou meu povo que luta dia a dia para não ser morto por conta da sua pele. Preto também é gente e eu tenho orgulho de ter pele negra, nariz de batata e cabelo duro!
*Júlia Kallyne da Silva Belmiro é Graduada Engenheira Química e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Cognição, Tecnologia e Instituição pela UFERSA. Integra o Coletivo NEGRAS - Núcleo de Relações de Gênero, Relações Étnico-raciais, Aprendizagens e Saberes. É voluntária no Projeto de Extensão da UFERSA “Negras no semiárido”.
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