*Por Ady Canário
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira! (Gilberto Gil, Zumbi, a Felicidade Guerreira).
“Somos todos seres humanos” é um daqueles enunciados pronunciados comumente em novembro em nosso país, quando desde 2011, foi instituído pela Lei 12.519, o “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra” a ser comemorado, anualmente, no dia 20 de novembro data da morte do líder negro em 1695, Zumbi dos Palmares. E também, desde 2003, esse dia foi incluído no calendário escolar como o “Dia Nacional da Consciência Negra” por meio da Lei 10.639, Art.79-B. Nesta semana, estivemos numa escola da cidade de Mossoró, participando de uma homenagem alusiva ao “Dia da Consciência Negra”, quando fizemos uma palestra “Consciência negra, inclusão e antirracismo”, a qual, devido à pandemia, aconteceu por meio virtual. Dialogamos com professores/as e alunos/as do ensino fundamental e do ensino de jovens e adultos. Partimos da questão, como a linguagem, antirracismo e a inclusão estão relacionados à consciência negra?
Socializamos uma parte da nossa fala com o objetivo de refletir na dimensão linguística e discursiva sobre o sentido da consciência negra e antirracismo sob o viés de uma educação inclusiva por acharmos relevante pensarmos numa educação para as relações étnico-raciais, antirracista e centrada numa linguagem como prática social. Esse dia representa uma conquista do Movimento Negro Unificado (MNU) em reconhecimento a Zumbi, o qual se tornou um símbolo na luta pela liberdade, que deve ser constante, e vem sendo rememorado pelo movimento e diversos segmentos da sociedade brasileira. Esse movimento é um conjunto de ações, como argumenta a professora Nilma Lino Gomes (2017) em “Movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação”.
No “Dia da Consciência Negra”, surgido na década de 1970 em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, por meio do poeta Oliveira Silveira, do Grupo Palmares, foi feita a primeira homenagem a Zumbi dos Palmares e, assim, o movimento passou a celebrar a data. Em 1978, em Salvador, Bahia, o Movimento Negro Unificado (MNU) fez a proposta de criar esse dia, que passou a fazer parte da memória social, política e de resistência negra no Brasil. Nesse cenário, o 20 de novembro ressignifica o dia 13 de maio que passa a ser o “Dia Nacional de Luta contra o Racismo” e consolida-se como um marco de combate ao racismo e pela igualdade racial, como o são: o 21 de março “Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial”, o 25 de julho “Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha”, “Dia Nacional de Tereza de Benguela” e “Dia da Mulher Negra”.
Por que precisamos de uma consciência negra? Porque precisamos nos conscientizar da importância de valorizarmos a luta do povo negro. De ampliarmos a memória social e a luta contra o racismo. É importante denunciarmos o racismo e buscarmos valorizar a história do negro no Brasil. Termos uma consciência negra implica em falarmos sobre a questão racial também do ponto de vista do sistema social e econômico, pois ainda persistem as desigualdades raciais em diversos temas, especialmente envolvendo as necessidades das mulheres negras, no contexto do racismo no Brasil. É na estrutura que operam as opressões e a crença da superioridade e inferioridade racial, advindas do racismo. Assumir uma consciência negra é defender o seu povo e enfrentar esse racismo na sociedade.
Trazendo para o campo da educação, essa consciência negra envolve a melhoria da qualidade da educação para subverter uma lógica de exclusão das pessoas pertencentes aos grupos étnico-raciais, especialmente do segmento negro, para a efetiva inclusão social. A construção da identidade negra também passa por uma consciência negra de conhecer a história positiva dos africanos e negros em nosso país e em suas relações com não negros. É se indignar pelo período escravagista e pela falsa democracia racial, a fim de vivenciarmos plenas condições de igualdade. Levarmos a raça a sério, em suas dimensões de classe, classe, gênero, sexualidade, pessoas com deficiência, dentre outras diversidades, que contemple a todas as pessoas.
Essa consciência nos leva a nos reeducar para a igualdade racial e a efetiva garantia de direitos aos grupos subalternizados e excluídos historicamente, como aponta as professoras Linda Carter da Silva e Luzia Guacira dos Santos Silva (2019) em “Educação em Direitos Humanos e educação inclusiva: concepções e práticas pedagógicas”. Não há como não pensar sobre os sentidos da consciência negra sem o acolhimento a esses grupos discriminados e a fazer essa inclusão acontecer. Isso nos leva a uma educação antirracista e a vermos formas de superação do racismo. Na perspectiva da educação inclusiva e dos direitos humanos, aqui temos algumas sugestões a partir da educadora Eliane Cavalleiro (2001), em “Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola”: reconhecer que o racismo existe e buscar refletir sobre ele. Repudiar atitudes preconceituosas, não desprezando a diversidade no ambiente escolar. Ensinar às crianças e adolescentes a história, pensando em formas de reconhecer a diversidade. Além de buscar materiais na temática e elaborar ações.
Para concluirmos, consciência negra é prática na luta e resistência. É todo um processo que se constitui na língua, memória e história, em reconhecer a história do povo negro para a construção deste país e que ainda vivem as desigualdades sociais e raciais, como mostra “O negro no Brasil de hoje”, dos professores/as Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes (2006). Partindo dessa breve reflexão, consideramos que professores/as e alunos/as podem responder afirmativamente à questão de que o Dia da Consciência Negra é um lugar em que se reeducam e no qual se discutem sobre as desigualdades na sociedade que aprofunda as práticas racistas. Precisamos sobremaneira de uma consciência negra, antirracista e inclusiva para que tenhamos um país livre, sem preconceito e sem discriminação de cor, idade, gênero, etnia e religião. Por essa razão, precisamos aprender sobre a nossa história, como nos traz a Lei 10.639/2003 e suas diretrizes sobre a África e a cultura afro-brasileira. Assim, estão abertos caminhos para uma educação inclusiva, democrática e emancipatória.
*Ady Canário, professora negra e doutora do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal Rural do Semi-Árido em Mossoró-RN. Coordenadora do GEPEDS-NEGRAS
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