Neste mês rememora-se o “Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial”, em 21 de março
Marielle Franco é um exemplos de processos alteritários na promoção e práticas educativas antirracistas (Foto: Wikimedia Commons) |
Por Ady Canário de Souza Estevão*
Neste mês rememora-se o “Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial”, em 21 de março, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao “Massacre de Sharpeville”. Tendo também estabelecido a “Década Internacional dos Afrodescendentes”, de 2015 a 2024, com foco no “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento” dos povos africanos e da diáspora, com o objetivo de “promover o respeito, a proteção e a concretização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais da população afrodescendente, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Segundo seus idealizadores/as, a Década enfatiza: “a) o fortalecimento nacional, regional e internacional de ações relacionadas ao pleno gozo de todos os seus direitos, e à sua participação plena e igual em todos os aspectos da sociedade; b) a promoção de maior conhecimento e respeito em relação ao seu legado, cultura e contribuição diversificadas para o desenvolvimento das sociedades; e c) a adoção e o fortalecimento nacional, regional e internacional de parâmetros legais que estejam de acordo com a Declaração de Durban na África do Sul e com a “Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”, e na garantia de suas implementações plenas e efetivas”.
Esses desafios da Década apontam para medidas educativas de superação da discriminação racial na vida da população negra (pessoas autodeclaradas pretas e pardas conforme o IBGE), potencialmente alvo de violência racista, do genocídio, do feminicídio e de outras situações de desigualdade racial, que caracteriza essa população como inferior em razão do racismo estrutural. É sabido que a população negra engloba um grupo heterogêneo com histórias e diversidades, grande parte concentra-se em regiões mais pobres e também sofre marginalização nas sociedades onde está inserida por questões do preconceito racial. Mesmo com a adoção de ações afirmativas, a maioria ainda vive em circunstâncias difíceis, de pobreza, exclusão social, barreiras no acesso aos bens, serviços e oportunidades, especialmente entre mulheres negras e demais segmentos sociais.
Tal contexto nos leva a pensar em práticas educativas antirracistas ante ao legado e potencial da ancestralidade negra e africana nesse enfrentamento à discriminação racial e, graças ao Movimento Negro, temos tido avanços importantes, como do Estatuto da Igualdade Racial - Lei 12.288/2010 - que considera a discriminação racial como “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada”. Assim, rememorar o “Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial” é dar visibilidade às questões que envolvem racismo e educação. É também uma forma de fortalecer a luta contra todas as formas de preconceito e de discriminação racial nos processos de relações de alteridade, entre o eu e o outro. Precisamos emancipar as práticas educativas antirracistas dentro de uma ética inclusiva e de alteridade necessária à constituição de sujeitos na sociedade. Nessa busca por relações dialógicas, citamos alguns exemplos de processos alteritários na promoção e práticas educativas:
Da escritora mineira, Doutora Carolina Maria de Jesus (1914-1977) cujo título, concedido pela UFRJ em 2021, embora tardio, mas que reconhece seu legado, 44 anos depois da sua morte. Uma justa homenagem para uma das importantes escritoras negras cuja história não nos foi contada, surgida em meados de 1960. Da favela do Canindé onde era catadora de lixo e registrava o cotidiano da comunidade em cadernos que encontrava. Um desses escritos originou “Quarto de despejo: diário de uma favelada”. Mulher negra que reunia em casa mais de vinte cadernos. Seu testemunho: “Uma palavra escrita não pode nunca ser apagada. Por mais que o desenho tenha sido feito a lápis e que seja de boa qualidade a borracha, o papel vai sempre guardar o relevo das letras escritas. Não, senhor, ninguém pode apagar as palavras que eu escrevi.” Carolina, escritora traduzida para 13 línguas.
Do escritor, artista e intelectual Doutor Abdias Nascimento (1914-2011), título concedido pela UnB, traz uma importante trajetória. Organizador do “1º Congresso do Negro Brasileiro”. Professor emérito da Universidade do Estado de Nova Iorque. Além de fundador do Movimento Negro Unificado e do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Economista, ativista social cujas contribuições em defesa da cultura e da igualdade do negro na sociedade impulsionam gerações. Abdias, referência no Movimento Negro e no Teatro Experimental do Negro (TEM) lutou pela valorização do negro no teatro brasileiro. Em 2013, o MEC lançou com uma política afirmativa, em menção ao seu nome, denominada “Programa Abdias Nascimento” voltado à capacitação para a inclusão de estudantes autodeclarados pretos, pardos, indígenas e estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades. Para a criação de cursos de formação de candidatos para processos seletivos de pós-graduação nas universidades federais.
Da vereadora (PSOL/RJ) Marielle Franco (1979-2018), mulher negra, moradora da favela da Maré. Presidia a Comissão da Mulher na Câmara e ativista dos Direitos Humanos. Ela era socióloga, com mestrado em Administração Pública. Sua pesquisa “UPP: a redução favela a três letras” foi publicada em livro. Fez parte de organizações da sociedade civil, Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ. Em plena luta política, teve sua vida ceifada de forma brutal, na noite de 14/03/2018. Ainda não há respostas sobre seu assassinato e de seu motorista Anderson Pedro Gomes. Um acontecimento histórico pelo qual Marielle gerou sementes e em sua memória lutam por justiça. Uma mulher lutadora e militante social. Referência em direitos do movimento de mulheres e favelas. A sua luta se multiplica em diversas práticas discursivas, o Instituto Marielle Franco, por exemplo.
Essas práticas inscritas em relações sociais e educativas revelam espaços de subjetividade e resistência no enfrentamento à discriminação racial como constituídas em modos de alteridade e em diversas dimensões. São nessas relações com os/as outros/as que vamos construindo sentidos na luta por emancipação social, entendendo a centralidade da educação antirracista como ação indispensável nesse processo. Vidas Negras Importam, sempre!
*Ady Canário é professora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, do Departamento de Ciências Humanas, Pesquisadora do Coletivo NEGRAS – Núcleo de Estudos de Gênero, Relações Étnico-Raciais, Aprendizagens e Saberes e do GEPEDS – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Discursos e Sociedade.
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