O debate aconteceu dentro das atividades do Agosto Lilás, mês de combate à violência doméstica, e um dia antes do aniversário de 15 anos da Lei Maria da Penha.
Na manhã desta sexta-feira (6), a Assembleia Legislativa do RN promoveu, através da deputada Cristiane Dantas (SDD), audiência pública híbrida a respeito do tema “15 anos da Lei Maria da Penha: avanços e desafios no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher”.
“Para barrar o crescimento da violência contra a mulher e do feminicídio, no Rio Grande do Norte e no Brasil, é preciso que as vítimas rompam o silêncio sobre a violência que acontece dentro de casa. Mas essa luta também deve envolver toda a sociedade. As autoridades aqui presentes neste debate têm fundamental responsabilidade em concretizar a proteção das mulheres que vencem o medo e lutam para retomar suas vidas”, enfatizou a parlamentar.
Cristiane destacou a campanha do Agosto Lilás (Mês de Proteção à Mulher), criada em 2016. “O Agosto Lilás vem mais uma vez conscientizar as mulheres sobre os seus direitos e sobre a Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, que há 15 anos tornou crime esse tipo de violência”.
A deputada lembrou também que, no período crítico de isolamento e em meio ao trabalho remoto, três importantes leis foram sancionadas: a que obriga condomínios residenciais a denunciarem os casos de violência contra a mulher; a que autoriza a criação da Casa Abrigo estadual para acolhimento das vítimas; e a que obriga os hospitais públicos e privados a informarem casos de violência doméstica às autoridades de segurança pública.
Primeira a iniciar os discursos da Mesa, a co-fundadora e coordenadora jurídica do Instituto Maria da Penha, Anabel Pessoa, citou um trecho do livro “Sobrevivi...posso contar”, de Maria da Penha, emocionando todos os presentes.
“Eu quis trazer essa fala de Penha, porque ela nos emociona e faz pensar em quantas mulheres e filhos estão sofrendo neste exato momento. Amanhã a lei estará debutando. É uma lei nova, temos muito ainda o que percorrer, mas podemos dizer que tivemos muitos avanços. Todas nós que estamos aqui somos privilegiadas, por estarmos em posições sociais que nos permitem lutar pelas mulheres que ainda sofrem com esse mal”, disse.
Anabel falou também sobre o destaque da lei brasileira no cenário mundial. “A lei brasileira é a terceira melhor do mundo de acordo com a ONU, ficando atrás somente das legislações de Espanha e Chile. Porém, mais importante que a posição é a gente fortalecer os três eixos: proteção e assistência; prevenção e educação; combate e responsabilização”, destacou.
Para a co-fundadora do instituto, esse momento de pandemia foi um divisor de águas, em que se deu muita visibilidade à quantidade de violência, que aumentou mais de 50%.
“Foram 15 mulheres a mais por dia vítimas de feminicídio no País. Então, nós precisamos cada vez mais de mulheres empoderadas nesse ambiente político, para que possamos fortalecer esse processo. Não adianta falarmos aqui e não modificarmos o nosso dia a dia”, concluiu.
Na sequência, a cabeleireira Natália Abade, vítima de violência doméstica em junho deste ano, falou da experiência pela qual passou e encorajou outras mulheres a denunciarem seus agressores.
“Eu fui agredida pela pessoa que dizia me amar. A mão que me alisou, bateu em mim. Não está sendo fácil. Cada dia é um recomeço. Eu guardei meu medo no bolso, tomei coragem e fui procurar meus direitos, por mim, pelo meu filho e pela minha honra. O meu agressor chegou a ser preso em flagrante, mas em menos de 24 horas ele foi solto. Aquilo para mim foi devastador. Porque eu busquei a minha justiça, mas ela não foi feita”, desabafou.
Natália continuou sua fala, dirigindo-se a todas as mulheres do RN.
“Amem-se, respeitem-se, pensem no amor próprio, não deixem que nenhum homem tire sua dignidade, busquem apoio, denunciem. O amor é bonito, é benevolente. Quem ama não agride. Quem ama cuida e respeita. Depois do que passei, eu resolvi me cadastrar no curso de defensora popular. Porque não é fácil você ver sua vida se esvaindo e buscar todos os dias se refazer. É um trauma que fica para o resto da vida. E agora eu quero ajudar outras mulheres”, disse.
Em seguida, a secretária de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e Direitos Humanos (Semjidh-RN), Júlia Arruda, começou reforçando que era por Natália e todas as outras mulheres vítimas de violência que a reunião estava acontecendo, com todas levantando a voz e pensando em novas iniciativas e no fortalecimento das políticas públicas.
“Isso é importante para que possamos não só encorajar as vítimas a denunciar, mas para que, após se encorajar, elas possam ter o amparo de todas as instituições, a fim de que sua situação tenha resolutividade”, iniciou.
Júlia ressaltou que assumiu a secretaria com a ideia de interiorizar as políticas públicas, fazendo chegar suas ações aos 167 municípios do RN.
“Nós queremos, sim, que o Agosto Lilás possa reverberar suas ações nos 365 dias do ano. E a determinação da governadora é que a gente tire do papel essas leis que já foram sancionadas, fazendo sua regulamentação”, informou.
A secretária detalhou alguns mecanismos legais de combate à violência contra a mulher, como a Delegacia Virtual da Mulher; o botão do pânico, que atua com o binário da tornozeleira eletrônica; a Patrulha Maria da Penha; e a Casa Abrigo.
“Muitas mulheres têm preconceito com o botão, pois acham que estarão sendo monitoradas ou rastreadas. Então nós precisamos fazer um trabalho pedagógico também, para mostrar que ele é um instrumento importante de combate ao desrespeito das medidas protetivas por parte dos homens”, esclareceu.
Por fim, ela comunicou que o Governo do Estado anunciou a instalação de mais quatro DEAMs (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), nas cidades de Pau dos Ferro, Macau, Nova Cruz e Assu, além da de Caicó, que foi reativada recentemente na Central do Cidadão do município.
Fátima Soares, juíza responsável pela Coordenadoria Estadual da Mulher do Tribunal de Justiça do RN, destacou o avanço que o Agosto Lilás representa em todas as questões de enfrentamento da violência.
“É importante a gente lembrar que o objetivo dessa campanha é a divulgação e a expansão, para minimizar essa crise que todas nós mulheres enfrentamos de alguma forma e muitas vezes não sabemos que solução trazer. A lei é forte, pedagógica, preventiva. Ela tem todos os mecanismos necessários para combater esse mal. E com a divulgação as mulheres se sentem fortalecidas e inspiradas a ajudar umas às outras, mesmo que não estejam sendo vítimas”, disse.
A juíza expôs ainda dados a respeito das medidas protetivas no Estado, a partir do ano de 2016.
“Eu tenho aqui um registro das medidas protetivas, que são o primeiro passo para sabermos como anda o trabalho de combate. Em 2016, nós tivemos 2.042 medidas; em 2017, 3.372; em 2018, 3.541. Em 2020, esse número começou a baixar: nós tivemos 2.862 medidas. E em 2021 esse índice baixou para 2.017. Isso é bom. Significa que o trabalho não está sendo em vão. É assim que deve ser”, argumentou.
Com relação às medidas adotadas pelo Poder Judiciário, ela esclareceu que se buscou especializar as atuações da prestação jurisdicional nos locais onde o número de casos era muito significativo.
“Por exemplo, aqui em Natal nós tínhamos apenas um juizado. E hoje nós temos mais três, além da formação de uma equipe multidisciplinar, que antes não havia. Também temos um juizado especializado em Mossoró e outro em Parnamirim. Nas demais comarcas, esse trabalho está se realizando de forma híbrida, com juízes que cumulam outras atuações”, explicou Fátima Soares.
Ainda de acordo com a juíza, a ideia é que continuem sendo criadas as equipes multidisciplinares, já que os processos não necessitam apenas do órgão jurisdicional, mas também de uma retaguarda, envolvendo diversos profissionais, como psicólogos, assistentes sociais e pedagogos.
“Então, há avanços. Não é o ideal, mas já estão sendo abertas portas para trazer uma resposta célere para que essa mulher tenha sua justiça feita, antes de parar no feminicídio”, concluiu.
Na sequência, Érica Canuto, promotora de justiça, falou da alegria ao ver a Lei Maria da Penha sendo aperfeiçoada, discutida, ampliada e divulgada.
“Foi uma lei que realmente nos uniu. Nós avançamos muito no nosso Estado e temos que reconhecer isso. Em 2015, foram 35 feminicídios; em 2016, 26; no ano de 2017, tivemos 34; aí começa a cair: 2018, 30; 2019, 21; e em 2020 foram 12. Nenhum em Natal. E em abril, junho e julho não houve nenhum feminicídio no Estado todo. Então isso nos fortalece, porque quando acontece um feminicídio todos ficamos abalados”, frisou.
Falando sobre a medida protetiva, a promotora lembrou que ela é o coração da lei, e que a mulher não deve hesitar em pedi-la. “A mulher não deve subestimar. Não deve pensar que ele não vai matar, porque ele pode matar, sim. Ninguém pode garantir o que ele irá ou não fazer. Então, peça a medida protetiva, pois ela salva vidas e é cumprida em 95% dos casos. O homem tem medo disso. E, para os que não a cumprem, a gente tem o botão do pânico. Temos também a Casa Abrigo, que já é uma medida de exceção, só para as mulheres que passam por extremo risco de morte”, explicou.
Apoiando a iniciativa, o deputado Hermano Morais (PSB) lembrou a importância da discussão do assunto no Brasil e no mundo. “Nós sempre lamentamos muito essas situações de violência doméstica. Apesar dos resultados já alcançados, ainda perdura o comportamento machista, de agressão e feminicídio, todos os dias, no ambiente familiar”, ressaltou.
Para Hermano, a campanha mais eficaz é a da prevenção. “Precisamos ampliar a rede de proteção e o combate e responsabilização dos que cometem esse tipo de crime. Tem que haver a denúncia, e isso compete a toda a sociedade. É importante também a educação e conscientização, já nas escolas, criando um novo ambiente de respeito às mulheres, para que isso chegue às residências de cada um”, finalizou.
Representando a Defensoria Pública do RN, Maria Tereza Gadelha, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (Nudem), falou sobre o projeto “Defensoras Populares”.
“Os avanços da lei nesses 15 anos foram muitos. E é justamente amanhã que a Defensoria Pública, através do Nudem, vai lançar a segunda edição do projeto ‘Defensoras Populares’. Eu escutei Natália, a vítima de violência doméstica que deu seu depoimento aqui, e quero dizer que ela é uma participante do projeto e vai sair de lá sabendo o que é a lei e os direitos da mulher, não só com relação a violência, mas para outros temas importantes”, reforçou.
Enaltecendo a Lei Maria da Penha, a defensora lembrou que a legislação determina que é dever do Poder Público e da sociedade assegurar os direitos humanos das mulheres.
“E todo esse trabalho vem sendo feito. Eu percebo que, ao longo desses anos, a sociedade vem se conscientizando do problema da violência doméstica. E muitas leis e projetos governamentais e não governamentais foram criados justamente em face da Maria da Penha, que deu visibilidade ao tema”, disse.
Destacando a interiorização das delegacias especializadas, ela ressaltou que essa “é uma medida importantíssima, porque as mulheres dos municípios do interior do Estado são carentes de proteção e apoio”.
Em seguida, Rossana Fonseca, advogada e vice-presidente da Ordem dos Advogados - seccional Rio Grande do Norte (OAB/RN), sugeriu à deputada Cristiane que amplie a divulgação da sua cartilha informativa “Toda mulher tem direito de viver sem violência” para as empresas privadas, levando a consciência de direitos formalizados na Lei Maria da Penha para além dos órgãos públicos.
“Apesar de falarmos muito sobre a lei, nem todas sabem como fazer valer esses direitos. Nem todas as mulheres conhecem o botão do pânico ou a Patrulha Maria da Penha. E são instrumentos maravilhosos, que estão à disposição, mas muitas mulheres não conhecem os direitos que possuem. Então esse trabalho é muito importante. Fico muito orgulhosa de ter uma bancada feminina no Legislativo com um trabalho tão bonito e de ver mulheres tão engajadas como vi aqui”, exaltou.
Ao final da sua fala, a advogada pediu uma atenção especial à Delegacia de Plantão das Mulheres, para que aperfeiçoe seu atendimento ao público.
“Já ouvi relatos de mulheres que se sentiram mais uma vez agredidas ao chegar lá, seja por serem questionadas, seja por não serem bem recebidas”, pleiteou. Rossana Fonseca divulgou ainda o telefone da ouvidoria da OAB para os casos de violência doméstica: (84) 9.9868.0166.
Já a secretária municipal de Segurança Pública e Defesa Social de Natal, Sheila Freitas, elogiou Natália Abade pela força e coragem de expor sua história.
“Natália, sinta-se acolhida. Sua dor é a nossa. A gente precisa mesmo transformar essas lágrimas em luta, e você já deu o primeiro passo. E eu quero enaltecer também a nossa vitória com a Patrulha Maria da Penha, agradecendo o apoio de todos. Além disso, eu quero lembrar uma coisa: a mulher precisa querer a patrulha. Para isso, ela precisa saber como funciona. E é por isso que a gente precisa desse mês todo dedicado ao tema”, enfatizou.
Ao final da audiência, outras mulheres, do meio político e jurídico, além de representantes de órgãos públicos e da sociedade civil organizada, demonstraram seu apoio à causa e destacaram a importância de se continuar com o trabalho de combate à violência doméstica no Rio Grande do Norte.