Texto do Projeto de Lei traz, nos artigos, detalhamentos que remetem a inquéritos e sentença contra ex-presidente
Por Carol Ribeiro | Diário do RN
O empenho do Partido Liberal em aprovar a Lei da Anistia conseguiu superar o mínimo de 257 assinaturas necessárias para que a proposta seja pautada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões temáticas. O líder do partido, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), protocolou nesta segunda-feira (14) o requerimento de urgência para acelerar sua tramitação. O pedido reuniu 264 assinaturas de deputados. Do Rio Grande do Norte, quatro apoiam a urgência da votação: General Girão (PL), Sargento Gonçalves (PL), Carla Dickson (UB) e Benes Leocádio (UB).
Na descrição, o PL 2.858/2022 busca conceder anistia “a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional do dia 08 de janeiro de 2023 ao dia de entrada em vigor desta Lei, nas condições que especifica”. As condições, contidas nos artigos e parágrafos do projeto, não citam, mas podem beneficiar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro. Caso aprovado, o PL pode reverter a condenação do líder do PL e até a sua inelegibilidade. Como investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente incitar os atos golpistas ou permitir sua articulação, caso a anistia seja interpretada como abrangente o suficiente, qualquer responsabilização penal dele por esses eventos pode ser anulada. Por isto, o PL vem sendo tratado como estratégico pela base de Bolsonaro.
O Artigo 1º já deixa claro que o Projeto não trata somente daqueles que estiveram nas sedes dos Três Poderes, em Brasília, quando abrange também “os que apoiaram, por quaisquer meios”, os atos, o que incluiria Jair Bolsonaro e aliados.
“Ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 08 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor desta Lei”, diz o Artigo.
No parágrafo 1º do Artigo 1º, a anistia se estende não só aos que participaram das manifestações de 8 de janeiro, mas aos crimes conexos ao 8 de janeiro.
“A anistia de que trata o caput compreende os crimes com motivação política e/ou eleitoral, ou a estes conexos, bem como aqueles definidos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”.
Um dos inquéritos que tramita no STF acusa Bolsonaro de participação de uma trama para anular o resultado da eleição de 2022, com base em uma minuta de decreto golpista encontrada na casa de seu ex-ministro Anderson Torres. Esse é um dos casos – “crimes conexos” tratado no parágrafo – em que o PL da Anistia pode beneficiá-lo. Se o Congresso aprovar o PL com a redação atual e se Bolsonaro for considerado mandante, articulador ou incentivador, ele poderá ser anistiado.
Já o parágrafo 2º do Artigo 1º traz na redação:
“A anistia de que trata esta Lei abrange quaisquer medidas de restrições de direitos, inclusive impostas por liminares, medidas cautelares, sentenças transitadas ou não em julgado que limitem a liberdade de expressão e manifestação de caráter político e/ou eleitoral, nos meios de comunicação social, plataformas e mídias sociais”.
O trecho implicaria em anistiar até atos de expressão e comunicação em redes sociais que tenham motivação política ou eleitoral.
Neste ponto, a Lei da Anistia pode arquivar inquérito que investiga Bolsonaro sobre incitação aos atos de 8 de janeiro, que também tramita no STF. De acordo com o inquérito, Bolsonaro teria incentivado os ataques com declarações públicas e postagens nas redes sociais, inclusive ao divulgar um vídeo questionando o resultado das eleições dois dias após os ataques.
Além dele, com este artigo, outros bolsonaristas se beneficiariam do PL, como o blogueiro Allan dos Santos, hoje asilado nos Estados Unidos, que é investigado por integrar uma “milícia digital” voltada à desestabilização das instituições democráticas e disseminação de desinformação com motivação política – o tipo de conduta que o PL pretende anistiar. O deputado federal potiguar General Girão, que foi condenado pela 4ª Vara da Justiça Federal de Natal por incitação aos atos golpistas e tem inquérito com mesmo teor em tramitação no STF, pode ser anistiado também.
Já o parágrafo 3º diz:
“Fica também concedida anistia a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados [atos do 8 de janeiro]”.
Em se tratando de atos subsequentes ou anteriores, o parágrafo reforça possibilidade de arquivamento dos dois inquéritos já citados pela reportagem, que possuem relação direta com incitação aos atos antidemocráticos, antes ou depois dos eventos.
A condenação de Jair Bolsonaro à inelegibilidade por abuso de poder político até 2030 pode ser revertida caso a Lei seja aprovada, com a redação do Artigo 8º.
A sentença do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que condenou a atuação de Bolsonaro contra o sistema eleitoral na live institucional com embaixadores pode ter como argumento o Artigo 8º da Lei da Anistia:
“Ficam assegurados os direitos políticos, e, ainda, a extinção de todos os efeitos decorrentes das condutas a si imputadas, sejam cíveis ou penais, para as pessoas que se beneficiem da presente lei”.
Por tratar de medidas restritivas de direitos, como o impedimento de concorrer em eleições, “os efeitos decorrentes” da perda de direitos devolveriam a elegibilidade a Jair Bolsonaro.
Além de todos os trechos, o Projeto de Lei ainda pretende incidir as autoridades – principalmente os Ministros do STF – em enquadramento em caso de abuso de autoridade, caso não cumpram a Lei, caso aprovada e em vigor.
“Caso ocorra o descumprimento desta lei, será caracterizado como abuso de autoridade, nos termos do art. 27 da Lei no 13.869, de 5 de setembro de 2019, nos casos em que decorra a instauração de procedimento investigatório referente aos fatos caracterizados no caput [atos do 8 de janeiro]”, diz o Artigo 3º.
Postar um comentário